FARINHEIRA DE PORTALEGRE
“(…) Quem desespera dos
homens / Se a alma lhe não secou / A tudo transfere a esperança /
Que a humanidade
frustrou: / E é capaz de amar as plantas, / De esperar nos animais, /
De humanizar coisas
brutas, / E ter criancices tais, / Tais e tantas! (…)”
[in: Toada de Portalegre, José Régio]
Trata-se de um enchido composto por gorduras frescas picadas em pedaços
pequenos, de porcos da Raça Alentejana (pelo menos 45% do total dos
ingredientes utilizados), abatidos entre os 12 e os 20 meses. Essas gorduras
são misturadas com alho, sal, pimenta, massa de pimentão-doce e água. Repousa
entre 2 a 5 dias e no enchimento, de tripa de bovino, adiciona-se à massa água
a ferver com farinha de trigo. Dá-se o formato em ferradura e atam-se as
extremidades com fio de algodão. A seguir, a fumagem processa-se entre 3 a 15
dias e é feita com lenha bem seca de madeira de azinho e/ou sobro - que confere a estes enchidos um aroma
característico e que decorre do desprendimento de substâncias aromáticas
específicas.
A Farinheira de Portalegre possui um comprimento máximo de 35 cm., aspecto
amarelo – acastanhado brilhante, consistência pastosa, de massa grumosa de cor
amarelo – alaranjado ou amarelo – acastanhado, aroma agradável e sabor suave,
pouco salgado e por vezes de travo ligeiramente picante.
A área geográfica de transformação desta iguaria está limitada a todos os
concelhos do distrito de Portalegre, pelo que as características intrínsecas do
produto, para além de dependerem do saber – fazer destas gentes alentejanas e
do processo de criação dos porcos estão indissociavelmente ligadas ao
microclima da Serra de São Mamede.
Este
enchido é igualmente fruto do truque dos judeus para fingirem que consumiam
porco e desse modo escaparem aos inquisidores que os identificavam pelos
hábitos alimentares. Em lugar do pão usado nas alheiras, neste caso, e como o
nome indica, o elemento de ligação utilizado é a farinha, que aliada à
importante criação local de gado suíno faz da região de Portalegre um local
emblemático da salsicharia nacional.
A Farinheira de Portalegre fazia parte
de um cabaz de produtos que funcionavam, simultaneamente, como reserva
estratégica e como moeda de troca numa economia fechada. Também já em 1750,
numa memória paroquial, este e outros produtos da salsicharia regional eram
referidos. Sendo esta região bastante desfavorecida de recursos naturais,
os enchidos eram essenciais à sobrevivência dos alentejanos. Por outro lado,
uma oferta concentrada de carne, aliada à dificuldade de escoamento devido à
distância face aos grandes centros urbanos de consumo, conduziram ao
aprofundamento de técnicas de conservação e de transformação da carne de porco,
acabando por atingir notoriedade pelo Alentejo e na zona raiana de Espanha, o
que levou a que a Farinheira de Portalegre ganhasse reputação junto dos
consumidores, que habitualmente a apreciam frita ou assada, ou como é prática
no Alentejo, integrada nos mais diversos cozidos.
Comentários
Enviar um comentário