VINHO DE CHEIRO | AÇORES
“A esmola ou pensão é
constituída por uma porção de carne de vaca (de gado especialmente abatido para
o efeito), por um pão de cabeça (ou pão do bodo), e por vinho de cheiro. É
distribuída aos irmãos que as pretenderem e às famílias mais necessitadas.”
[O joaquinismo e o culto do Divino
Espirito Santo nos Açores]
Nos
Açores consideram-se Vinhos de Cheiro todos os que são elaborados a partir de
uvas da casta americana Isabelle e
vulgarmente designados de “morangueiro” no território continental, ainda que
neste arquipélago com características específicas dadas as condições
edafo-climáticas locais.
O Vinho de Cheiro
é de cor violácea intensa, deixando uma mancha violeta característica quando
exposto ao ar. Tem um intenso aroma frutado não identificável e em geral baixa
graduação alcoólica (6 a 10%), o que dificulta a sua conservação e obriga a que
o vinho seja consumido no ano de produção, sendo em geral os restos destilados
para aguardente.
Apesar de a
generalidade dos enólogos o considerarem de baixa qualidade e com tendência comercial
decrescente, o Vinho de Cheiro tem nos Açores grande número de apreciadores,
constituindo um ingrediente imprescindível na culinária regional e desempenhando um importante papel nas festividades
tradicionais (é o vinho usado nos bodos dos Impérios do Divino Espírito Santo).
Devido à proibição de comercialização imposta pela União Europeia, a partir de 2006, a produção tem vindo a diminuir, assim como a exportação para as comunidades açorianas nos Estados
Unidos e Canadá. Nas zonas tradicionais de produção (Pico, Biscoitos - Terceira, Graciosa, Caloura – S. Miguel e São
Lourenço), as vinhas têm vindo lentamente a ser reconvertidas para castas
europeias.
Embora a proibição comunitária da comercialização do Vinho de Cheiro se deva essencialmente a razões de
proteção comercial aos vinhos de castas europeias, a União Europeia justificou a proibição com base nos
efeitos nefastos da malvina e do metanol - que compõem a casta Isabelle – para a saúde. Todavia, estudos mais recentes vieram lançar dúvidas sobre esses efeitos nefastos e demonstrar que a presença de metanol é mais o
resultado da má vinificação do que das características intrínsecas das uvas
americanas. E é com base nesses estudos que a Comissão Europeia
admite que tais castas não são necessariamente produtoras de vinho de má
qualidade e que nem sempre põem em risco a saúde. Perante a falta de prova científica dos
alegados malefícios deste vinho, a Comissão Europeia decidiu repensar a
proibição e desenvolver um estudo sobre a questão. Entretanto, na Universidade
dos Açores acredita-se que o vinho afinal pode ter propriedades boas para a
saúde: a malvina, componente do vinho de cheiro pode até ser benéfica para a
saúde humana, aumentando o colesterol bom e diminuindo o colesterol mau. Teresa
Lima, professora do Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos
Açores e especialista em vinho e vinha, refere que o composto será da mesma
natureza das substâncias químicas que dão a cor vermelha aos vinhos das castas
europeias.
Por outro lado a investigadora refere que o excesso de metanol (álcool
altamente venenoso para a saúde) poderá ser controlado, diminuindo o tempo de
balseiro.
Esta casta surgiu na Europa pouco tempo depois de também ter surgido a Filoxera,
durante o séc. XIX, como uma maneira de a combater, já que as castas americanas
funcionariam como “porta-enxertos” para as europeias. Entre estas novas castas,
a Isabelle, pela pujança vegetativa,
grande produção de cachos e resistência ao oídio ganhou a adesão dos
vitivinicultores açorianos. Por seu turno, o produto era chamado de Vinho de
Cheiro pelo aroma especial que o caracteriza, no dizer dos especialistas, muito
"foxée" - termo relacionado com o cheiro que exalam as raposas. E,
por via disso, logo considerado de pouca valia comercial e quase de fabrico
proibido.
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