LAMPREIA MINHOTA


“Ó lampreia divina! Ó divino arroz, /comidos noite velha […] /Sem ter ceias assim, o que há-de ser de nós? / Sofre meu paladar.”
(Afonso Lopes Vieira, sobre a lampreia minhota)

Fevereiro é, por excelência, o mês da lampreia. Com o arranque da temporada de pesca a este ciclóstomo (que segundo registos fósseis existe desde o tempo dos dinossauros!) em alguns rios portugueses, como o Minho, a lampreia, um peixe de carne fina mas bastante gorda e razão pela qual é sangrada antes de ser submetida a qualquer preparação, chega à mesa sob a forma de cabidela, à bordalesa, no espeto, em escabeche, fumada, em arroz. É um prato emblemático dos últimos meses do Inverno, confeccionado conforme as receitas tradicionais, em particular nos municípios do Vale do Minho – Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira.
Pelo seu aspecto, a lampreia é um daqueles seres que geram reacções extremadas: uns vibram só com a ideia de o comerem, outros esboçam esgares de nojo ao ouvirem o seu nome. Mas vários relatos apoiam a ideia de que muitos daqueles que dizem não gostar de lampreia nunca a provaram. Entretanto, nos últimos anos vem crescendo o número de apreciadores que se deslocam propositadamente a terras do Alto Minho para degustarem lampreia.
Trata-se de uma espécie migradora, que passa um periodo da sua vida em água doce (fase juvenil) e outro em água salgada (fase adulta). Os exemplares adultos entram nos rios para se reproduzirem e durante uma média de cinco anos, as pequenas larvas (que numa primeira fase não têm nem olhos nem dentes) vão-se alimentando de pequenas partículas – algas, microalgas, detritos –, vão crescendo até se metamorfosearem numa lampreia com aspecto adulto, apesar de ainda não o serem. Nesta altura migram para o mar, onde vão passar mais um a dois anos. E é neste ambiente salgado que as lampreias adquirem a estrutura dentária e uma espécie de ventosa, que utilizam para se agarrarem aos peixes, através dos quais se vão alimentando. Quando já estão adultas, procuram novamente os rios para se reproduzirem, algo que fazem uma única vez na vida.
A pesca da lampreia vem sendo praticada desde tempos do Império Romano, quando esta espécie era conservada em viveiros para ser consumida nos grandes banquetes. Existiu ainda a tradição de oferecer o produto de uma maré a São Sebastião, padroeiro de Vila Nova de Cerveira, em troca da boa atenção do Santo e garantir fartura na época piscatória.
Nos dias de hoje, para evitar o recurso à importação de lampreia de França (ainda que geneticamente do mesmo stock, segundo os biólogos), por força da crescente procura no mercado interno, a Associação de Pescadores para a Preservação do rio Minho (APPRM) e a Câmara de Caminha apostam na construição de dois viveiros, não para criar, mas para manter as lampreias apanhadas durante a época própria e gerir as quantidades de acordo com as conveniências de mercado e pensando no processo de denominação de origem – o que também contribui para valorizar a economia da região.

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